quinta-feira, 7 de março de 2013

Breve atualização sobre o que eu tenho visto

Como eu sou uma pessoa que às vezes não tem mais o que fazer, acabo assistindo mais séries do que conseguiria pôr em dia. O resultado disso é que vejo mais de vinte séries, parando uma aqui e outra acolá pra fazer maratona nas outras, e as estatísticas do banco de séries acusam quase 400 horas de atraso. Que delícia.


Enfim, o fato é que, como eu não tenho juízo, de uns meses pra cá comecei a assistir séries novas e resolvi fazer um resuminho delas.

The Following


Eu não era muito fã de séries policiais. Só via quando tava passando alguma na televisão e tal. Mas um belo dia no twitter todo mundo estava falando sobre The Following, que tinha acabado de estrear, e resolvi baixar pra ver qual era a dela. 

E não é que o negócio era bom? Muito bom. 

Kevin Bacon é Ryan Hardy, um agente do FBI que tinha se afastado da profissão depois de conseguir pegar o serial killer Joe Carroll nove anos atrás e acabar com um marca-passo por causa dos ferimentos. Cheio dos problema, Ryan é chamado de volta para o FBI depois de todo esse tempo porque os assassinatos relacionados a Carroll (que era um professor de Literatura obcecado por Edgar Allan Poe) voltaram a acontecer. 


[spoiler]Um negócio interessante sobre The Following (além de toda a parada da seita) é que é provavelmente a única série em que eu vi um triângulo amoroso homem x mulher x homem ser tratado decentemente. Outro dia mesmo eu estava conversando com um amigo sobre como eu sentia falta de um personagem na ficção que fosse homem, tivesse uma relação com uma mulher e se visse apaixonado por outro homem - e tudo isso sendo tratado direito, que é a parte mais difícil. E, ta-daaah, cai o Jacob no meu colo.[/spoiler]

Elementary

Sou biscat da BBC, confesso. Então sempre ignorei Elementary porque não queria concorrência com o Sherlock da BBC, mas olha, não foi uma escolha inteligente. Amargando o luto por Sherlock e seu imenso hiatus, peguei Elementary pra assistir e foi amor, magia e paixão. E o melhor é que são séries tão diferentes uma da outra que nem dá pra ficar comparando. Dá pra amar todo mundo.

Elementary é a bilionésima adaptação de Sherlock Holmes do mundo, ok. Nessa em especial, Sherlock é um ex-viciado em heroína e Watson não é um cara, mas sim a Lucy Liu, e se chama Joan Watson. Ele é britânico, mas mora em NY e o pai dele contrata a Joan (que é ex-médica) pra ser sua acompanhante de sobriedade. 

O genderbent (trocar o gênero do personagem) é um dos grandes trunfos de Elementary e o outro é que aparentemente não existe a intenção de fazer de Sherlock e Watson um casal. Veja bem, em qualquer outra adaptação de Sherlock (alô House) eu super incentivo o ship, mas nesse caso em especial é maravilhoso que Sherlock/Watson sejam apenas amigos, porque existe uma carência enorme de amizades homem/mulher na ficção. Vamos torcer pra que a série continue assim. 



Ah, e tem o Jonny Lee Miller, claro. Ele tem as expressões faciais mais fofas de todo o universo e, diferentemente de todos os outros Sherlocks que eu já vi, não é metido a fodão. Bem, ele é, mas não no nível Sherlock BBC. O Sherlock de Elementary é 1000x vezes mais humano e, consequentemente, mais cativante. Sherlocks fodões são divertidos, mas é muito bom ver uma diferença de vez em quando. Ah, e ele era o Sick Boy de Trainspotting. I rest my case.

Criminal Minds




Sim, mais uma série sobre uma equipe do FBI resolvendo crimes. O legal de Criminal Minds é que se trata da divisão de análise comportamental. Ou seja, essa equipe avalia o perfil psicológico dos criminosos para encontrar os suspeitos. Eu engoli a primeira temporada com leite e aveia esses dias e atualmente a oitava está em andamento. No quesito personagens lindos e amor demais temos Reid e Garcia.

Supernatural


prioridades
Haters gonna hate, mas estou me esforçando pra gostar de Supernatural. Vou encarar porque tem mocinhos bonitos (prioridades, sempre) e um grande potencial slash, mas a série ainda não me pegou.

Acho que deu pra perceber que todas essas séries ou são policiais ou têm o mesmo formato de uma série policial, ou seja, o efeito colateral de assistir tudo junto é perder a fé na humanidade, mas isso pode ser resolvido alternando com Community.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Retrato de grupo com nódoa de sangue

“Uma vingança de sangue é um ciclo de violência retaliatória, em que os familiares de alguém que tenha sido morto, lesado ou desonrado buscam vingança matando ou punindo fisicamente os culpados ou seus familiares. Historicamente, a palavra vendetta é usada para denotar uma vingança de sangue.” (wiki)


Abril despedaçado é mais um caso de “livro que vi na biblioteca e não aguentei de ansiedade até pegar”. Eu conhecia o filme, mas não sabia que era baseado em um livro; pior ainda, não fazia a menor ideia de que o livro fosse albanês. Nunca vi o filme inteiro, então não posso dizer nada sobre a adaptação, mas já acho muito interessante que tenham adaptado uma história que se passa nas desoladas montanhas cobertas pela neve da Albânia para o sertão nordestino.

Abril despedaçado (Prilli i Thyer)
Autor: Ismail Kadaré
Ano: 1978
País: Albânia

"Gjorg procurava recordar famílias que estavam fora da vendeta e não via nelas nenhum indício especial de felicidade. Até lhe parecia que, à margem das ameaças, elas não sabiam dar valor à vida. (...) Mas o principal não era isso. O principal era o que transcorria no seu íntimo e que era a um só tempo belo e terrível. Nem ele mesmo saberia descrevê-lo. Tinha a impressão de que o coração saíra de seu peito, expandindo-se em todos os sentidos, e, assim aberto, deixava-se ferir facilmente, alegrava-se e se entristecia por qualquer coisa, ofendia-se, doía, enchia-se de felicidade ou de pena por coisas grandes e miúdas, até por aquela borboleta, aquela folha, a neve sem fim ou a chuva aborrecida daquele dia. Tudo o atingia de frente, mas a tudo ele suportava, e poderia suportar até mais, ainda que os céus desabassem sobre ele."

O livro conta a história de Gjorg Berisha, um rapaz de vinte e seis anos que foi incubido da tarefa de realizar a vendeta do irmão, morto um ano e meio antes. O início da vendeta se dá setenta anos antes disso, quando um viajante bateu na porta dos Berisha. Segundo o rígido código de conduta albanês, o Kanun, um hóspede deve ser extremamente respeitado enquanto estiver sob os cuidados de quem lhe hospeda. Assim, os Berisha acolhem o homem que, por um acaso infeliz do destino, acaba sendo morto enquanto ainda é seu hóspede, fazendo com que a responsabilidade da sua vendeta caia sobre a família. Os Berisha se veem obrigados a realizar a vendeta com a família culpada pelo assassinato, os Kryeqyq, e são esses acontecimentos que, quarenta e quatro mortes depois, vinte e duas de cada família, levam Gjorg a fazer uma tocaia para Zef Kryeqyq.

O Kanun é quase ele mesmo um personagem, presente em cada página, regendo cada passo dos outros personagens. Outros personagens importantes da trama são Diana e Bessian Vorp. Recém casados, eles resolvem passar a lua de mel nas aldeias dos montanheses mais por um capricho dele do que por vontade dela. Bessian é um escritor e está particularmente interessado - pra não dizer obcecado - com a tragicidade e imponência do Kanun na vida dos montanheses. Sua esposa não gosta tanto da experiência quanto ele, mas um dia, quando veem Gjorg por acaso perto do lugar por onde passavam, ela se fascina pelo rapaz marcado pela morte.

Regendo a vida dos montanheses em tudo o que se possa imaginar, especialmente nos casos de vingança, o Kanun está tão arraigado na cultura do lugar que as autoridades albanesas não têm influência nenhuma no costume e fingem não ver o que acontece. No meio das montanhas e da neve, vive uma aldeia em que a vida serve para se construir a honra da morte. A dualidade do conflito de Gjorg é fascinante; se por um lado ele não tem vontade nenhuma de matar e gostaria que nada disso precisasse acontecer, por outro ele sabe que a vendeta é, de certa forma, o que dá algum sentido à vida. Com direito a um mês de trégua - a bessa - até que um integrante da família Kryeqyq continue a vendeta e comece a tentar matá-lo, Gjorg percebe que sua vida se divide claramente em duas partes: os vinte e seis anos que o levaram até ali e os trinta dias antes do fatídico dia de abril em que seu assassinato será autorizado. Com uma tarja preta costurada na roupa indicando que está marcado para morrer, Gjorg, o último homem da família Berisha depois de seu pai, está honrado e aterrorizado. O que é a honra, afinal? Para que ela serve? De quem é a culpa? Por que o sentido da vida é a morte?



quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O beijo da mulher aranha (e os melhores do ano)

Já que 2012 está acabando, decidi fazer uma listinha dos melhores livros que li esse ano. Acho improvável que eu vá terminar mais um até o dia 31, mas até agora contabilizei vinte e sete livros lidos (lista completa aqui) e separei esses oito que foram os top top da balada. Espremi bastante pra ficar só com esses, porque teve muita coisa boa esse ano.

O beijo da mulher aranha
O paciente inglês
Persépolis
Carta ao pai
The perks of being a wallflower

Vou tentar escrever sobre cada um deles. Hoje é dia de:

O beijo da mulher aranha
Autor: Manuel Puig
Ano: 1976
País: Argentina

"– Por un minuto sólo, me pareció que yo no estaba acá, ...ni acá, ni afuera…
– …
– Me pareció que yo no estaba… que estabas vos sólo.
– …
– O que yo no era yo. Que ahora yo… eras vos."

(– Por um minuto apenas, me pareceu que eu não estava aqui... nem aqui, nem fora...
– ...
– Me pareceu que eu não estava... que só você estava aqui.
– ...
– Ou que eu não era eu. Que agora eu... era você.)



Escrito por Manuel Puig em 1976, O beijo da mulher aranha é um romance que conta a história de dois companheiros de cela, presos durante a ditadura de um país latino. Proibido na Argentina na época – justamente quando a democracia havia acabado de ser derrubada de novo, depois de apenas três anos desde o fim da última ditadura -, o livro ressalta a fluidez da língua espanhola com a estrutura da narração, que consiste basicamente em diálogos.

Em 1985 foi lançada a aclamada adaptação cinematográfica do livro, roteirizada pelo próprio autor e dirigida por Hector Babenco. Uma produção Brasil/EUA – e, portanto, infelizmente toda falada em inglês, o que tira um bocado da magia da coisa – que rendeu quatro indicações ao Oscar (inclusive Melhor Filme) e pelo qual William Hurt foi premiado como Melhor Ator pelo papel de Molina.

Ao assistir o filme logo depois de ler o livro, no entanto, a impressão que ficou foi a de superficialidade – ainda que, bem, tenha sido o próprio Manuel Puig que tenha escrito o roteiro. Talvez eu devesse apenas ter feito o contrário, e assim o livro aprofundaria a visão que eu teria do filme. De qualquer forma, O Beijo da Mulher Aranha não é um filme ruim, mas em comparação com o livro perde muito da sutileza e do jogo de ambiguidades que o caracteriza. Não deixa de ser incrível finalmente ver em imagens os fragmentos de conversas sem qualquer descrição adicional que lemos no livro, mas de algum modo as entrelinhas se perderam na transposição de uma linguagem pra outra.

A obra de Puig trabalha muito em cima de paralelos entre os personagens – a começar pela escolha dos protagonistas, que a um primeiro olhar parece tão destoante. Valentín Arregui, preso político, duro e objetivo, tem dificuldades em entender o delicado companheiro Molina, homossexual, preso por se envolver com um menor. Molina constantemente procura fugir da realidade, se refugiando nas lembranças de filmes que gosta e os contando para Valentín para distrai-lo.

Um exemplo claro desse paralelismo acontece quando Molina narra o seu filme preferido. Valentín percebe que é uma propaganda nazista, mas seu companheiro, apesar de também saber disso, acredita que é a beleza do romance dos protagonistas o que realmente importa.

Essa característica sentimental de Molina o define fortemente em contraste com Arregui, que coloca a luta acima de tudo. No entanto, Puig trabalha com essa dualidade direcionando-a para um fim comum: o mundo de Molina, sua lógica e suas motivações, o aproximam cada vez mais da realidade crua – para a qual, talvez, não estivesse preparado, mas antes entregue -, enquanto a dura realidade de Valentín esbarra cada vez mais no sentimento e na negação em se tornar um mártir. Essa fusão atinge o clímax em um final dúbio e fantástico digno de um filme que o próprio Molina poderia ter concebido.

Durante a leitura, essas entrelinhas que mostram o quanto as personalidades de Molina e Arregui se aproximam, mesmo sem parecer, ficam cada vez mais claras à medida que o conflito se intensifica. Puig se joga na metalinguagem ao fazer um paralelo não somente entre os personagens, mas também entre a própria história e as histórias-dentro-da-história, que são os filmes detalhadamente narrados por Molina. Numa cela de prisão, no meio da realidade cruel de uma ditadura, dois prisioneiros que aparentemente têm interesses completamente diferentes descobrem um no outro uma relação genuína de amizade, amor e aprendizado que os torna um só.

sábado, 20 de outubro de 2012

Filadélfia, you're doing it wrong

Eu estava na biblioteca outro dia, procurando um livro leve pra ler e procrastinando os outros cinquenta que estão esperando aqui em casa, quando me deparei com Filadélfia. Fiquei surpresa porque não fazia a menor ideia de que era um livro e dei uma folheada pra ver se era a mesma história ou só um título igual. E aí fiquei mais surpresa ainda quando vi, na capa, escrito assim: "Baseado no roteiro de Ron Nyswaner".

Não consigo lembrar agora de nenhum livro que eu tenha visto que tenha sido baseado no roteiro de um filme; já vi, claro, os roteiros comercializados em livros (Bastardos Inglórios, Educação, etc), mas só. Daí a minha surpresa, já que automaticamente penso que o livro vem antes do filme. Então beleza, resolvi pegar.

Li em dois dias, sofrendo muito.

Gente.

Que livro horrível.

Pra ser justa, o problema não está no plot - e nem poderia, né, porque o plot já existia e o filme é muito bom. O que o autor - Christopher Davis - fez foi, basicamente, dar uma romanceada no roteiro do filme, mas eu achei essa adaptação super cagada. Mais uma vez tentando bravamente ser justa, é provável que boa parte do problema esteja na tradução (cagadíssima) e na edição (inventem um superlativo para "cagadíssima" e apliquem nesse caso).

Filadélfia é um daqueles raros casos em que fiquei com raiva do livro; porque ele tinha potencial pra ser muito bom, mas é extremamente superficial. Se eu tivesse lido antes de ver o filme, o efeito teria sido melhor, but still. Ah, estou sendo mal-educada, deixa eu dizer do que, afinal, se trata a história.

Filadélfia
Autor: Christopher Davis
Ano: 1993
País: Estados Unidos
Sinopse: Andrew Beckett é um excelente advogado que trabalha numa firma super importante de advocacia (orly). Um dia seus chefes colocam nas suas mãos um caso importantíssimo, e tudo vai bem até uma possível sabotagem que o fez parecer incompetente. No dia seguinte, Andrew é demitido, mas ele percebe que a sabotagem foi uma desculpa para demiti-lo por conta da AIDS que, até então, ele estava conseguindo esconder dos patrões. Depois de ser recusado por um monte de advogados, ele consegue a ajuda de um relutante Joe Miller, um advogado preconceituoso que tem indenizações como especialidade, para processar a firma que o demitiu.

O filme teve Tom Hanks e Denzel Washington nos papéis de Andy e Joe, respectivamente, e assim como o livro, foi lançado no começo da década de noventa. O contexto você pode imaginar: epidemia de AIDS e uma falta de informação gritante sobre a síndrome; uma ignorância que potencializava (e, a bem da verdade, ainda potencializa) a homofobia. O fato de Joe ser negro serve de contraponto ao seu próprio preconceito; diversas vezes ele se pergunta como caralhos pode ser tão intolerante tendo ele mesmo sofrido discriminação na vida, ainda que por motivos diferentes. Em outras palavras, a história é um prato cheio de temas importantes e nada tem de levinha.



Agora vou tentar explicar direto por que, afinal, o livro é tão ruim.

É de se pensar que deve ser necessário fazer um esforço muito grande pra errar a mão numa história que já estava pronta, mas nem acho que seja o caso. Roteiros usam uma linguagem diferente e, sinceramente, nunca tive paciência para lê-los. O que posso imaginar de mais óbvio seria a linguagem do livro ficar meio teatral, mas também não foi o caso. Ficou só superficial. Me deu a impressão de que o autor pegou as falas do roteiro e criou um enchimento de descrições entre cada uma delas pra que a coisa soasse como um romance, mas não funcionou muito bem. E eu não sei explicar isso de um jeito mais específico, mas o modo como ele amarra as sequências de acontecimentos - por exemplo, o fim de um capítulo pra outro - faz tudo parecer uma fic. E uma fic ruim.

Tinha uma outra coisa também que me irrita muito em qualquer livro em que isso aconteça, e não sei dizer se no original já é assim ou se foi coisa da edição, mas dá uma olhada nesse trecho:

"(...) Nunca lhe acontecera antes, e a primeira pessoa a pôr as mãos nele, com raiva, porque ele era gay, tinha de ser um advogado no lado gay de uma causa que vinha recebendo a maior publicidade."

É, a palavra "gay" está em itálico nas duas vezes em que aparece. Aí você pensa que pode ter sido porque, nessa situação específica, o autor queria realmente enfatizar a palavra, mas não. TODAS as ocorrências da palavra "gay" estão em itálico no livro, e isso é um negócio que me irrita muito. Como também aconteceu com outras palavras (drugstore, por exemplo), eu acredito que tenha sido treta da edição, mas mesmo assim é um negócio muito chato. Além de quebrar o ritmo em que eu tô lendo, ainda coloca uma ênfase desnecessária numa palavra que, por si só, tem mais background do apenas ser escrita em inglês. Me parece que colocar gay em itálico toda vez que a palavra aparece é exotificar o seu significado, como se estivesse falando de algo totalmente alheio à realidade e às pessoas em geral - e contribui para isso o fato de que pouquíssimas outras palavras receberam esse tratamento (de cabeça mesmo, só lembro de drugstore).

Ah, além disso, tem umas tosquices na tradução também (falsos cognatos traduzidos literalmente, por exemplo) e toda frase iniciada com O tem um zero no lugar da letra. Ah, e o autor usa o termo "homossexualismo" no lugar de "homossexualidade". Oh well.

Algumas partes soam como registros jornalísticos, outras soam como nada mesmo. O companheiro de Andy, Miguel, é retratado quase como um estereótipo do latino ingênuo de sangue quente, mas não posso dizer muito em sua defesa no filme porque não fiquei com nenhuma impressão marcante do personagem do Antonio Banderas. A relação de Joe com a homofobia também podia ter sido melhor retratada. 

Um pontinho para o livro: as menções ao sexismo. Não lembro de ter ouvido alguma no filme. Mas, de modo geral, essa leitura não foi a melhor das experiências, rs.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Revivendo Queer as Folk - Parte I: I'll show you the world

Queer as Folk é, junto d'O Encontro Marcado, uma das coisas das quais eu nunca me canso de falar sobre. Depois de finalmente terminar de assistir a versão original, que é britânica, decidi rever a americana e ir escrevendo sobre a série enquanto isso acontece. Então vamos à introdução do amor (tem coisas que eu já falei em outros lugares, mas vou repetir assim mesmo pra deixar registrado).


Eis que um belo dia, Russell T. Davies, que alguns anos mais tarde escreveria a volta de Doctor Who para a televisão, achou que seria uma boa ideia escrever uma série sobre três homens gays. O ano era 1999, e mídia especificamente voltada para o público queer não era exatamente comum - muito menos nos moldes em que ele faria isso. Nasceu assim a série Queer as Folk no Channel 4 da televisão britânica. Ela teve apenas duas temporadas, mas lançou a base da sua versão americo-canadense.

Na QAF original, a história gira ao redor de Stuart, um publicitário hedonista de vinte e nove anos, seu amigo Vince e Nathan, um garoto de quinze anos que entra na sua vida de repente e se apaixona por ele. Em 2000, o canal Showtime lançou a nova versão da série que, como todo reboot americano que se preze, era muito mais pop do que a original e, consequentemente, acabou sendo a versão mais conhecida - muita gente nem sabe que existe a britânica, e muito menos que ela foi a primeira. 

Queer as Folk talvez não seja uma série perfeita, também não é um mar de igualdades (personagens bi? trans? anyone?), mas abriu muitas portas em muitos sentidos. A primeira vez em que ouvi falar de QAF foi em 2005, justamente no ano em que a série americana terminou. Naquela época eu tinha treze anos e internet discada; there was no such thing as baixar séries pra assistir e o youtube ainda estava começando. Então até 2009 tudo o que eu pude fazer em relação à série era ler algumas coisas, ver algumas fotos e ter uma noção de que era aquilo que eu queria assistir quando pudesse. Um dia eu pude. Já com dezessete anos e munida de internet 3G, assisti a primeira temporada toda no youtube. 

A versão americana transformou Stuart em Brian, Vince em Michael (com um belo trabalho de adaptação à cultura americana ao trocar a paixão por Doctor Who pelos quadrinhos) e Nathan em Justin (dois anos mais velho, para evitar problemas). O que mais me impressionou quando comecei a ver QAF UK foi perceber como a versão americana é extremamente fiel à original. Fiel ao ponto de você poder colocar as primeiras temporadas das duas séries lado a lado e ir marcando todas as cenas em que até mesmo as falas são iguais, salvo as modificações necessárias de gírias e expressões. Achei genial. QAF US não apenas se manteve fiel à origem da história como deu à ela todo um desenvolvimento que não existia na primeira versão. Ainda mantendo o foco nos três personagens principais, outros ganharam mais destaque e, no formato clássico das séries americanas, com muito mais episódios e mais temporadas foi possível desenvolver todos esses personagens e vários subplots que não teriam sido possíveis na britânica. E, mesmo depois de cinco temporadas e de os personagens terem crescido por si, QAF US ainda foi capaz de ter uma series finale que ainda fazia referência ao final de QAF UK. É o melhor trabalho de adaptação que eu já vi e também o melhor final de série ever, muito embora eu seja suspeita pra falar.


qaf us e qaf uk, respectivamente

I'll show you the wolrd, é o que Brian diz para Michael no primeiro episódio de QAF US. Foi exatamente isso que Queer as Folk fez por mim; me mostrou que eu não estava sozinha. É engraçado porque, por mais distante que a realidade da Liberty Avenue seja da minha e por mais que a representação queer não seja completa na série (e dificilmente ela é em qualquer lugar), eu finalmente me senti fazendo parte de algo. Aquilo era meu. Tinha sido feito pra mim; no sentido de que era feito por pessoas como eu, para pessoas como eu. Os personagens de QAF são humanos, e é isso que sempre faltou na representação geral de pessoas queer na mídia. Somos caricatos, somos estereotipados, somos personagens-cota, mas nunca pessoas de verdade. QAF fala da vida de homens e mulheres queer do modo como eles realmente são: pessoas normais, como todas as outras representadas por aí. Queer as Folk, nos seus cinco anos de duração, falou de AIDS, homofobia, casamento homossexual, família, amizade, amor, sexo; mostrou pessoas boas, filhos da puta (oi Brian, estou falando com você), bons amigos, maus amigos, e todo tipo de relação entre pessoas. Sem julgamentos ou eufemismos, Queer as Folk me mostrou um mundo do qual eu fazia parte, mas que eu ainda não sabia - não porque era um ~universo gay, mas porque era o que estava ao meu redor o tempo todo, invisibilizado pela ideia que metem nas nossas cabeças de que não existimos. Foi isso que a série representou pra mim, ainda representa, e por isso eu a amo tanto.


I'm superman. I'll show you the world.


*

(vou colocando essa série de posts no keep calm and watch a movie também assim que tiver disposição pra traduzir -q)

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Bátima levanta


(escrevi metade do texto há milhões de anos e simplesmente esqueci dele -q tem alguns spoilers)


Depois de ter assistido bonitinho todos os filmes, com intervalos pequenos entre cada um, finalmente posso dizer de todo meu coração que, dos três filmes mais recentes do Batman, meu preferido é o segundo.

O que não significa que o terceiro seja ruim. Ele é lindo e eu adorei e surtei e tudo o mais, mas existe uma coisa em The Dark Knight que ele não conseguiria pegar, e não estou falando só do Coringa.

Back in 2008, uma piadinha comum era falar do filme do Batman e responder “que Batman?”. Pra muita gente, o pobre morcegão ficou em segundo plano no seu próprio filme por causa do Coringa - eu caí nessa também. Só milhões de anos depois, assistindo de novo, foi que eu entendi como esse é o mais coerente de todos os filmes e como o Nolan amarrou muito bem todos os personagens. 

O mais interessante nisso tudo é que, enquanto eu assistia The Dark Knight, tive um vislumbre do por que de algumas vezes a arte ser capaz de acabar com a sanidade de uma pessoa. Não é uma questão de levar uma lição pra vida ou algo do tipo; quando, depois de levar um tempo contabilizando os votos no barco dos ~inocentes, uma pessoa se dá conta de aquele tempo todo passou e o barco dos criminosos ainda não os havia explodido, eu entendi o raciocínio do Coringa. Antes ele era um personagem - muito bom, diga-se de passagem - que fazia sentido, que tinha suas motivações, etc. Mas só depois de entender como ele funciona é que uma coisa assustadora acontece: o que ele faz passa a fazer sentido pra você também. Esse é um exemplo pequeno, mas já dá pra imaginar um gatilho maior.

Coloquei a trilogia do Batman num cantinho especial do meu coração como uma das melhores que já vi. Trilogias costumam cagar alguma coisa em pelo menos algum filme, então essa merece meu respeito por ter sido coerente o tempo todo. Okay que eu tô rindo até hoje da Marion Cotillard, mas nem tudo é perfeito, certo? E surtei tanto com o Joseph Gordon-Levitt que ainda não consegui escrever duas linhas coerentes sobre o rapaz até hoje, milhões de anos depois de ter visto o filme, porque sou dessas.

batman who? só vi o robin.


Outro aspecto legal das adaptações do cinema é que gente que nunca leu as HQs (oi eu) fica se coçando toda pra começar. Pretendo começar a ler Batman assim que conseguir dividir a atenção entre duas HQs diferentes (e quem sabe três, porque quero ler Watchmen antes de ver o filme).


Aliás, já que eu tô falando sobre isso: outro dia eu estava reparando em como o universo dos quadrinhos é completamente diferente. Não sei explicar, mas é uma coisa muito particular do formato, da divulgação, das próprias histórias e do modo como elas dialogam entre si, e nem estou falando só das HQs mais conhecidas. Admiro horrores quem consegue escrever & desenhar uma graphic novel independente, porque alimento meio que secretamente o desejo de fazer isso, mas é um formato tão diferente da “literatura comum”, vamos dizer assim, me arriscando a falar merda mesmo, que eu ainda não sei lidar direito. Digo que é diferente porque não se trata “apenas” de texto; existem as imagens, existe a fluidez que é diferente, existe toda a concatenação de ideias que é feita de outro jeito justamente porque é um outro modo de se contar uma história. E se eu posso experimentar novos materiais de desenho, por que não outras formas de escrever, não é mesmo?

domingo, 5 de agosto de 2012

Bátima começa


Voltando um pouco a escrever sobre filmes aqui, vamos falar de coisa boa, vamos falar de Batman.


Pra me preparar psicologicamente pro terceiro filme - que eu vi ontem e foi lindo e e e depois eu falo dele -, eu resolvi rever os dois primeiros, que eu já tinha assistido em um passado distante.

Tão distante que, quando reassisti, percebi que não tinha entendido nada do filme antes. Ou, melhor dizendo, que eu não tinha sacado nem a menor parte da dimensão da ~filosofia do Batman e da genialidade das tramas. Fiquei passada.

Vamos começar explicando que eu nunca li as HQs, então toda a referência que eu tenho de canon vem dos filmes. Ler HQs pra mim é um processo penoso e demorado, porque leio no computador (comprar não vai estar rolando), e agora eu resolvi focar em Hellblazer. Com isso explicado, vamos lá.

Obviamente vai ter spoilers, cuidado aí.

Antes dos filmes do Nolan, quem era o Batman pra mim? Era um cara muito rico e poderoso que, tal e qual o Iron Man, um dia resolveu ser um herói - só que com uma roupa particularmente complicada de usar. Capa, seriously? E pronto, era só isso. Eu nunca tinha entendido muito bem qual era a motivação dele.

Um apanhado dos meus “heróis” preferidos, até então: Homem Aranha e Constantine (Magneto não conta porque é vilão). Por que? Porque são dois fodidos. Mas eles ainda têm uma coisa: alguma forma de poder, nato ou adquirido. Heróis como o Iron Man ou a Viúva Negra nada têm além das suas mãos e/ou tecnologia avançada. Gosto disso porque dá uma humanizada maior no personagem fazer com que ele mesmo seja o construtor/criador do seu poder. Veja, se você nasce com uma característica especial, o ser herói tem a ver com lidar com isso. Se você constrói essa característica, você ainda está lidando com responsabilidades e escolhas, mas o sentido já muda um bocado.

E aí temos Batman Begins e o que eu chamo porcamente de ~~filosofia do medo~~ - que vai ter um fechamento lindo no terceiro filme. Gosto de heróis (ou, em outro tipo de história, simplesmente mocinhos) que andam no limite, que são cinza, que precisam fazer um esforço contínuo para não se corromper. Esse era Bruce Wayne no começo, exceto que ele já tinha se entregado. Numa jornada mais ou menos similar à de Tony Stark - porém mais complexa e, erm, mais longa -, Bruce resolve imergir naquilo que quer destruir. Salvar pessoas, proteger a cidade, fazer o bem? Não, a motivação inicial dele era vingança. Ele fez o caminho inverso e é assim que eu gosto.

"Why bats?"
"Because bats scare me."

Para vencer o medo, você deve se tornar o medo. Essa é a base, e ela é infinitamente mais profunda do que a minha ideia inicial de “um cara rico que resolveu ser herói”. O Batman é um símbolo sombrio, marginal e recluso nos seus próprios medos, assim como a própria Gotham City. Ele se afasta do papel de trazer esperança (mais sobre isso em The Dark Knight) e foge do reconhecimento. Aliás, eu gosto muito do fato de Gotham City ser fictícia. Isso dá uma liberdade bem grande pra criar contexto. 


Queria falar outras coisas, mas elas cabem mais no TDK e em outro post :)